segunda-feira, 23 de julho de 2012

O MERCADO HOMOERÓTICO DE BUENOS AIRES


AV. 09 DE JULHO - BUENOS AIRES/AR.


Mi Buenos Aires Querido! Primeiras impressões sobre o mundo gay portenho.

Há uma semana em Buenos Aires, já consigo me situar e identificar espaços e equipamentos que compõem o mercado homoerótico portenho. A cidade em si parece geometricamente desenhada, o que facilita em muito a vida do visitante. Através de avenidas e ruas amplamente largas e compridas atravessa-se de um lado ao outro o grande centro com facilidade. Da Casa Rosada, localizada na Plaza de Mayo, até a Plaza de Congreso, onde me encontro, são apenas algumas quadras que se pode caminhar tranquilamente. Como as quadras são compostas por quatro ruas sabe-se, por exemplo, o quanto percorrer até um determinado ponto da cidade. Assim, sem grandes dificuldades iniciei minha peregrinação pelas ruas de Buenos Aires buscando identificar bares, hotéis, pousadas, motéis, boates, saunas, espaços de pegação e/ou de socialização homoerótica/homoafetiva. Diferentemente de Recife, aqui estes espaços não são sinalizados, o que a primeira vista parece revelar certo cuidado proposital que objetiva a invisibilidade.
SAUNA NO CENTRO DE BUENOS AIRES
Depois de alguns contatos pessoais sair para conhecer a famosa Calle Florida, rua de grande movimentação onde se encontra a Galeria Pacífico, que congrega a maioria de gays da cidade. Repleta de lojas, o corredor comercial parece representar um espaço ou ponto de encontro para todas as tribos. Em uma de suas extremidades encontra-se a Plaza San Matin, onde a noite pode-se observar homens jovens sentados ou circulando espaços estratégicos. Talvez seja este um espaço de pegação, talvez funcione como ponto de encontro e/ou de definições de programas. Uma de suas paralelas é a Calle Maipú, onde verifiquei pouquíssimos garotos que permaneciam por longos períodos encostados nas paredes de antigos prédios e casarios. Apesar de contrariarem o estereótipo de um garoto de programa, devido a discrição e indumentárias, acredito não terem outro motivo, além da espera de clientes, para se manter por tanto tempo em ruas tão frias. Nestas duas ruas, durante o dia pode-se verificar homens mais velhos abordando transeuntes para a entrega de cartões e folders sobre apresentações de shows eróticos – são os agenciadores e/ou cafetões. Na verdade esta é uma estratégia também utilizada pelas próprias prostitutas como forma de divulgação de seus serviços. Estes cartões podem ainda ser encontrados em postes, placas de sinalização, coletores de lixo ou paredes de edifícios por toda a cidade. De certa forma, a prostituição feminina em Buenos Aires parece amplamente consolidada e generalizada. Contudo, imagino que as práticas sexuais comerciais em sua primazia se estabeleçam a partir dos espaços privados, e com menor frequência em espaços públicos. Tanto que durante as circulações noturnas pelas principais ruas da cidade não constatei a prática da batalha tão comum nas cidades brasileiras.

Na tentativa de facilitar meu trabalho, recorri à internet como recurso para mapear possíveis espaços da prostituição masculina e de socialização homoafetiva. Com anotações em folha, voltei às ruas. Seguindo pela Calle Marcelo T. de Avelar, cruzando a Avenida 09 de Julho, chega-se ao Flux Bar, indicado como único bar gay do centro. Os números dos prédios saltam diante de meus olhos e não consigo identificar o endereço. Procuro por um nome, bandeira do arco-íris ou algo sinalizador. Nada. Apenas uma porta preta metálica me chama a atenção e confirma minha hipótese da proposital invisibilidade. Sigo então pela Av. Santa Fé, que margeia a Plaza San Martin e rumo para o lado oposto da cidade. Mais ou menos umas vinte quadras chego ao número indicado. Procuro o Titanic Club. Estamos no Barrio da Ricoleta e novamente me deparo com outra porta metálica preta, fechada com correntes e sem número de identificação. Acima visualizo outro nome – Kilómetro Zero, diagramado de forma bastante discreta. Próximo encontra-se o Contramano Café-Bar, localizado na Calle Rodrigues Penã, no mesmo barrio, destinado ao público gay mais maduro e também frequentado pelos michês. Pela Calle Azcuénaga busco pelo Search Bar. Agora dou de cara com uma porta metálica vermelha, sem nenhum nome ou número indicativo. É a mesma estratégia que se destaca pela discrição. É a mesma forma arquitetônica que me dá a impressão de que em Buenos Aires tudo é muito compacto. Pela Av. Cordoba chego a Calle Viamonte e tomo o sentido Universidade de Buenos Aires até alcançar o Tom´s, classificado como bar de pegação. Paro em frente a um prédio comercial e novamente não localizo o empreendimento. Decido descer por uma escadaria, ao lado esquerdo da recepção. É no porão que se encontra instalado um dos mais discretos empreendimentos do comercio homoerótico portenho. Sigo treze quadras a frente e me deparo com um casarão antigo de estrutura bem conservada. São três andares com janelões amplos e de tonalidade discreta. A Full Spa é uma sauna, que como as do Recife, preza pelo anonimato. Um homem desconfiado entra tão rápido por uma porta lateral, que se fosse supersticioso juraria ter visto alma penada. Mais quatro quadras e chego a Angel´s Disco, boate gay que oferece em sua programação shows de travestis e garotos de programa. Olho o caderno de anotações e conto mais cinco espaços identificados. O desanimo me bate e volto ao apartamento para os primeiros registros.
No final de semana decido conhecer a boate. O frio exige casacos e adereços extras, além de grande disposição e boa vontade para enfrentar a noite. Estamos a quatro graus e as ruas parecem lotadas. Na Av. Corrientes multidões formam filas em frente aos milhares de teatros, cinemas e casas de shows. A cultura em Buenos Aires tem publico garantido, o que lembra muito as cidades européias. Os bares estão cheios. Uma profusão de casacos e corpetes desfila a minha frente. A cidade parece em ebulição. Chego a Angel´s a meia noite e meia e encontro centenas de jovens abraçados ou em grupos. O cenário parece familiar e começo a confirmar uma de minhas teorias – toda boate é igual independente de sua localização ou nacionalidade.  Entro no espaço e começo o reconhecimento das instalações. A entrada de $ 40,00 (quarenta pesos) garante duas consumações. Considerando que a cerveja custa atualmente $ 12,00, o preço se mostra bem accessível, fato constatado pelo biótipo do público. Na entrada, uma escadaria leva a boleteria e ao guarda-casacos. Um bar ocupa o pavimento, que se mostra apertado diante da quantidade de gente. Sinto-me um estranho no ninho devido aos olhares que identificam não apenas a presença do estrangeiro, mas também de carne nova. Uma escada metálica, vazada, leva tanto ao pavimento superior quanto ao porão. São duas pistas onde a maioria se concentra em coreografias e performances tão comuns quanto a trilha sonora. Acredito que boate é um produto de massa importado, inclusive, com direito a manual de funcionamento. Percebo que estes espaços não possuem identidade cultural própria. É como se quem fosse a uma boate precisasse saber antecipadamente como se comportar. Verifico a mesma pasteurização de rostos e condutas performativas tão comuns entre os gays recifenses. No banheiro amplo a pegação se limita aos olhares, pois existe uma pessoa responsável pela limpeza e segurança do local.

Aproximo-me de um bar e observo comportamentos. Pouco a pouco começo a identificar os personagens da noite. Estão lá: as Barbies, cuidadosamente esculpidas e presas as suas blusas de malhas extremamente justas; as Chiques-de-Equê, que passam a noite inteira segurando a mesma lata de cerveja; as Mariconas-Equivocadas que sofrem do complexo BC - “baile da cinderela”; as Monas-Sérias, linha bicha de família, sempre agarrada ao namorado, que ostenta como troféu e demarcador de diferenças; as Bichas-Loucas que mais parecem pipoca e pulam e dá pinta a noite inteira; as Velhas-Travas, sempre acompanhadas da melhor amiga maricona e com ar saudosista, apesar da maquiagem exagerada que lhe cobre o rosto; as Jovens-Travestis que se agrupam a um canto para “matar” reciprocamente uma as outras; as Travas e Mariconas-Bombadas que chegam acompanhadas do seu Boy de aluguel. Neste caldeirão de identidades performáticas ou performativas destacam-se ainda, as Bichas-de-Caça, sempre atentas ao menor movimento de seus possíveis alvos; os Boys de Programa que circulam os dancings ou prostram-se em pontos estrategicamente pouco iluminados; as BBFs, ou seja, Bichas-Boa-Fácil que beijam e contabilizam os contatos; as Bichas-Carão, sempre altivas e com ar de indiferença que funcionam como mecanismos de defesa; as Sapas-Pesadonas que relembram a pré-história; as Sapas-Depressivas, que sempre brigam com a companheira bêbada e procuram um canto para chorar suas mágoas; o Segurança da casa que aproveita a noite para faturar um extra junto à mariconas, velhas conhecidas; isso sem falar nas Rachas-Melhor-Amiga-de-Frango, que tendem a imitar os gays, e muitas vezes, serve de gozação.

Nada de novo ou muito diferente de Recife. Contudo uma coisa que me chama a atenção é o controle adotado para a entrada das pessoas. Pareceu-me existir um número limite para a lotação, o que faz com uma fila enorme de gays e lésbicas se estenda pela rua. Saí as 04:30 da manhã e constatei mais de cem pessoas, trêmulas de frio, perseverante em seu intento. Não consegui identificar se aquilo se faz como prática ou costume, já que pelo visto os argentinos adoram [e respeitam] uma fila. Estas se multiplicam nas paradas de ônibus, caixas de supermercados ou farmácias, na bilheteria e entrada de teatros e cinemas. Mas dentro dessa perspectiva mais “music”, as boates também servem como espaços demarcadores de diferença de classes sociais, e talvez étnica. Existe em Buenos Aires outra boate chamada Amerika, reconhecida como espaço dos gays burgueses e de pessoas famosas e descoladas. Ao que tudo indica, a prática se multiplica por centros urbanos.  Poderíamos dizer que a Angel´s se assemelha ao MKB, localizada na Riachuelo, enquanto que a Amérika corresponde a Metrópole, instalada na Av. Manoel Borba. No retorno para casa, caminhando pelas ruas ainda mais congeladas, consegui visualizar três travestis batalhando nas ruas, bem como quatro boys de programa, agrupados em uma esquina quase totalmente escura.

Apesar de incipientes estas primeiras observações e informações me revelam semelhanças e diferenças entre os dois mercados. Em Buenos Aires, parece que o mercado do sexo homoerótico encontra-se espalhado, pulverizado entre os bairros. Lógico que estas são apenas suposições, hipóteses para futuras análises que se confirmarão ou serão refutadas e modificadas. De um jeito ou de outro, não nego me sentir feliz por estar novamente no campo de “batalha”, atrás de possibilidades para melhor se conhecer e conviver com a diversidade da sexualidade humana.

4 comentários:

  1. obrigado por este post Epitácio! vou a Buenos Aires hoje e já tenho lido à respeito da vida gay da cidade, mas aqui encontrei pela primeira vez um olhar "humano". Digo humano pq os outros blogs, apesar de bem informados, somente informam endereços e as vezes preços. Vc detalhou uma experiência pessoal e que, tenha certeza, vai ajudar a outros brazucas a se localizarem na vida gay portenha.
    Mais uma vez, obrigado!

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  2. Olá Epitacio! Gostei do seu post. Gosto muito de BA e deve voltar lá logo no início do ano. Só fiquei curioso com uma coisa. Quando você descreve todos os 'grupos' que observou pela noite, fiquei curioso em saber em qual você se encaixa. Não consigo me ver em nenhum deles.

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  3. Olá Epitacio. Estou em Buenos Aires no momento, pela 2º vez. Nenhum outro blog foi tão fiel como o seu.
    Dos lugares citados, conheci a Tom's, Spa Full, Spa Homo Sapiens (a única que expõe seu nome, o que facilita localizá-la).
    Dica: nas saunas (spa) não existem boys, e frequentada por "maduros", já os Crussing Bar's os da faixa dos 30-40anos.
    E para quem gosta de "novinhos" restam apenas as boites.

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  4. You’re a sauna guru. Valuable recommendations and views. Sauna regimen? saunajournal.com

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